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Writer's pictureYuri Berezovoy

Sombra Inconsciente: Projeção e Integração.

Updated: Jul 4, 2021



Carl Jung ressaltou que o objetivo adequado de um indivíduo não é a perfeição, mas a integralidade. Esse estado, comparado a mente ouro alquímica, envolve seguir um caminho para um caráter maior, uma abordagem mais eficaz da vida através de formas de pensar, sentir e agir que criem maior liberdade. Reside na integração dos elementos conscientes com elementos de nossa psique que por muito tempo foram reprimidos e negados, os elementos que compõem o que Jung chamou de nosso lado sombra inconsciente.


A sombra é um dos aspectos mais importantes da psicologia humana devido às ramificações de suas consequências quando não examinadas e adequadamente endereçadas. Pode-se relacionar os atos mais atrozes da história humana com a sombra, onde a projeção desta sombra sobre outros resultou em quantidades extremas de sofrimento e dano.


Na psicologia Jungiana o aspecto sombra é uma parte da mente inconsciente que consiste em potenciais não realizados assim como fraquezas reprimidas, deficiências e instintos base, como os sentimentos de violência e ódio. Tudo o que é considerado ruim ou imoral pela sociedade, tudo o que é desaprovado por nossa família ou pares, todos os traços que quando inicialmente expressos foram ridicularizados, evitados ou recebidos com punição.


A forma usual de lidar com aspectos que conscientemente consideramos ruins, vulgares, imorais e inaceitáveis, é empurrar esses atributos indesejáveis para o reino inconsciente da sombra onde são então velados e escondidos da consciência.



Não apenas reprimimos elementos destrutivos ou socialmente inaceitáveis de nossa personalidade, como nossa sexualidade desenfreada, raiva e impulsos animais incontrolados, mas também reprimimos características positivas e necessárias a vida. Talvez nossa assertividade tenha sido desaprovada, nossas primeiras tentativas de criatividade ridicularizadas, ou talvez nossa competitividade ou ambição foi sentida por aqueles próximos a nós como uma ameaça. Por exemplo, alguém que pode ter tido um relacionamento ruim com sua família através de um parente que foi verbal e fisicamente abusivo, tem sua agressividade reprimida para o reino do inconsciente o que limitaria sua confiança mais tarde na vida. Como resultado da repressão de elementos de nossa personalidade para a sombra, fomos feitos mansos, obedientes, previsíveis, talvez até mais agradáveis, mas ao custo de nossa vitalidade e totalidade psicológica.


Ao nos conscientizarmos da sombra, primeiro como conceito intelectual, e depois através da introspecção e reflexão na busca do que consiste nossa própria sombra pessoal, despertamos para um conflito moral, para a ideia preocupante de que uma parte de nossa personalidade está em desacordo com a moralidade. Ao passar por tal análise, é provável que descubramos quanta hipocrisia, complacência e medo estão por trás de muitos dos ordenamentos morais que obedecemos e, além disso, que o ridículo e a condenação moral são muitas vezes movidos pela inveja.


Quando estamos condicionados ao relativismo moral e a não aceitação de moralidade objetiva, na tentativa de proteger nossa personalidade diante do reconhecimento interno de conflitos morais, podemos ser motivados a tomar uma posição "além do bem e do mal" (Nietzsche) e mover a percepção para a ótica da moralidade contemporânea em que fomos socializados, com o que nossa família, pares e sociedade julgam como bem e mal. Como resposta a relativização de princípios e a existência de suas contradições, podemos sentir estimulados a nos comportar em algumas formas de maneira menos alinhada com o código moral dominante de nossos dias, formas consideradas "más" pela moralidade social. Não é que queremos nos tornar "maus" no sentido de nos tornarmos criminosos ou de cometer atos hediondos contra nosso semelhante, ainda que possa dar origem a esses sentimentos mais extremados, mas "mal" no sentido de nos separarmos das percepções falhas e contraditórias do nosso código moral para que possamos nos reconectar com as partes de nossa personalidade que perdemos em nossa sombra há muito tempo. Esse estado mental resulta em comportamentos autodestrutivos a nível individual e no agregado geram-se efeitos sociais desastrosos e evitáveis.



Um exemplo típico desses efeitos é na projeção da sombra, como a realizada por um bully na escola. Digamos que esse aluno vai a escola e em sua turma nota um garoto confiante e inteligente que expressa bem suas palavras e pensamentos e a quem os professores elogiam por suas contribuições. Durante o almoço, o bully começa a implicar com esse garoto. Por que? Porque o bully projeta sobre ele um de seus atributos sombra que não foram tratados adequadamente. Mais especificamente são algumas de suas próprias vulnerabilidades emocionais que não foram desenvolvidas ou bem integradas em sua psique consciente. A sombra ao se manifestar pode superar as formas conscientes de interação. É uma realidade perigosa.


No nazismo a projeção da sombra foi direcionada aos judeus enquanto um estado idealizado foi apresentado na figura de Hitler e no nacionalismo alemão. Qualquer coisa que fizesse oposição ao nacionalismo alemão seria percebido como representante dos atributos sombra. Para fazer essa projeção coletiva, não era necessário assumir responsabilidade pessoal ou mesmo se dar conta conscientemente de que é uma representação de parte da própria psique.


Nos julgamentos nazistas de Nuremberg, quando os acusados respondiam que “só estavam seguindo ordens” e, portanto, não tinham responsabilidade sobre suas ações, é como se a sombra ultrapassasse o ser de forma que o inconsciente se tornasse consciente para o mal reinar. O nacionalismo nazista foi eficaz em suprimir deficiências humanas conhecidas na sombra. Essas foram então expressas na forma desastrosa de bodes expiatórios onde a sombra tomou conta do sentimento e consciência coletiva através da projeção.


Figuras públicas, políticos e celebridades usados como pivôs idealizados ou para-raios para projeções geralmente são figuras vaidosas e se apresentam de certa forma inocentes quanto a escuridão humana que carregam. Essa inocência percebida é como se considerássemos que essa escuridão, a sombra, fosse inexistente, para então projetá-la sobre o que consideramos ganancioso, luxurioso, mal ou destrutivo.



A mídia e a política fazem uso dessa psicologia em diversas situações. Em certo sentido muitas de suas narrativas são construídas de forma a nos possibilitarem mentalmente despejar uma inferioridade pessoal percebida, reconhecendo-a reformatada como uma deficiência moral em outra pessoa, ou grupo, e que assim nos serve de entretenimento. Novelas e realities, como o Big Brother, são baseados em processos de ridicularização, culpa e bodes expiatórios, pelo qual as pessoas que entram em cena são relacionáveis com nossos pontos de vista em certa medida, mas são usados principalmente como bodes expiatórios para absorver nossa sombra coletiva, e que em grande parte gira sobre as contradições divisivas de uma sociedade fundamentada em moralidade relativa.


As narrativas e personagens incorporam a expressão emocional e comportamental dos traços negativos de nós mesmos que não queremos tornar conscientes ou lidar por vivermos em contradições. Ao liberar essas emoções em bodes expiatórios, removemos a responsabilidade pessoal e, em seguida, encontramos conforto em seu valor de entretenimento. As projeções que recebemos da mídia agem como um alívio para nossos próprios problemas que não integramos e que só projetamos. Cobrimos nossas inferioridades pessoais com uma camada de entretenimento e figuras a quem podemos apontar, rir e condenar.


As mídias sociais incorporam a estimulação emocional em muitas direções diferentes, e entre elas emoções viscerais instintivas ou mesmo menos socialmente aceitáveis ou oprimidas que ganharam lugar na sombra. Por exemplo, agressividade e medo. Não é mais surpresa que a agressividade nas mídias sociais abastecem máquinas online de campanhas políticas. A depender do grupo político que você se identifica uma tempestade de projeções de sombras são montados no lado oposto, e vice versa. Esse ódio é infelizmente o que mantém muitas pessoas online. Sob essa perspectiva, o mundo inteiro se divide em relação a projeção geral de sombras. É como se usássemos o mundo exterior como uma tela sobre a qual projetar emoções interiores que normalmente suprimiríamos.


Essa repressão e seus resultados negativos no comportamento são acentuados uma vez a maioria das pessoas em seu estado consciente se mostram horrorizadas com a ideia de questionar, ou deus me livre, quebrar o código moral em que estão socializadas, mesmo que estejam em desacordo com a Lei Natural. Acreditam que os julgamentos de valor, sobre o bem e o mal, que lhes são impostos por sua escolaridade, pais, pares e sociedade, foram escritos no tecido da própria realidade. Não entendem que conjuntos de crenças subjetivas sobre moralidade, assim como sociedades que se baseiam nelas, podem estar doentes e superadas.


E assim, para o homem e a mulher comuns, o reconhecimento da existência da sombra representa uma ameaça muito grande à sua frágil autoimagem, uma autoimagem que foi construída ao longo de anos de adaptação a quem eles pensavam e ao que os outros esperavam e queriam que eles fossem. Mas ao nunca reunir coragem para confrontar os elementos da sombra, ela não desaparece. Em vez disso, coloca o indivíduo na infeliz posição de suscetibilidade à possessão em algum grau pelo seu lado destrutivo, para seguir os passos trágicos de Dr. Jekyll e do Mr. Hyde.



Em público, a maioria das pessoas são conscientes, morais e moderadas. Mas atrás de portas fechadas e no conforto de suas telas e do lar, as sombras às vezes as transformam em marionetes – vítimas inconscientes de vícios, compulsões estranhas, ataques de raiva irracionais e uma variedade de outros comportamentos autodestrutivos.


Por não estar ciente de ter uma sombra, você declara que uma parte de sua personalidade é inexistente. Ao entrar no reino do inexistente, incha e toma enormes proporções... Se você se livrar das qualidades que não gosta ao negá-las, você se torna cada vez mais inconsciente do que você é, você se declara cada vez mais inexistente, e seus demônios só vão engordar e ficar e mais gordos."

Carl Jung, Análise dos Sonhos: Notas de Seminário de 1928-1930


Como negar nossa sombra só nos torna propensos a sermos possuídos por seu lado destrutivo, integrar nossa sombra em nossa personalidade consciente é crucial para nosso bem-estar. Para obter alguma visão sobre como fazer isso, vamos focar na integração de uma característica de sombra que muitos de nós precisam desesperadamente integrar: a agressividade. Na sociedade moderna, a palavra agressividade normalmente estimula pensamentos de violência e destruição. Em outras palavras, focamos apenas em um lado da moeda agressiva. Pois há uma forma saudável de agressividade que é imperativa não só para nossa saúde psicológica, mas para nossa sobrevivência. Esta forma de agressividade alimenta nosso senso de auto propriedade e autonomia, nos encoraja diante do medo e funciona como o impulso para explorar e nos integrar com o mundo fora de nós e dominar o nosso interior.


"A agressividade não é necessariamente destrutiva", escreveu a psicanalista Clara Thompson. "Ela nasce de uma tendência inata de crescer e dominar a vida que parece ser característica de toda a matéria viva. Somente quando essa força vital é obstruída em seu desenvolvimento os ingredientes de nervosismo, raiva ou ódio se conectam com ela."


Infelizmente, para muitos de nós, a força vital da agressividade foi obstruída durante todo o nosso desenvolvimento. Atributos como medo e agressividade podem ser colocados dentro do inconsciente. Nossas demonstrações de agressividade, construtivas ou não, não foram recebidas com encorajamento ou compreensão, mas com cara feia, punição e até violência. E assim, para nos adaptarmos ao nosso ambiente e minimizar os conflitos, aprendemos a reprimir nossa agressividade em nosso lado sombra, e nos tornamos suscetíveis à nervosismos, raiva e ódio.


Se reprimimos nossa agressividade para a sombra, como podemos integrá-la de uma maneira que alivie sentimentos de raiva e nos impulsione para a integralidade e grandeza do caráter? O trecho a seguir fornece avisos e pistas pertinentes:


"Não há técnica geralmente eficaz para assimilar a sombra. É mais como a diplomacia... e é sempre uma questão individual. Primeiro tem-se que aceitar e levar a sério a existência da sombra. Em segundo lugar, é preciso tomar conhecimento de suas qualidades e intenções. Isso acontece através da atenção consciente aos humores, fantasias e impulsos. Em terceiro, um longo processo de negociação é inevitável."


Depois de levarmos a sério a existência da sombra, precisamos prestar muita atenção aos nossos humores e fantasias. Sentimos as vezes uma raiva fervente sem motivo aparente? Talvez tenhamos fantasias recorrentes nascidas de ressentimento, amargura, auto aversão – desejos de destruição ou vingança? Em ambos os casos, é provável que não tenhamos integrado adequadamente nossa agressividade em nossa personalidade consciente. Para iniciar esse processo de integração, podemos buscar saídas seguras, controladas e produtivas dentro das quais começamos a agir com mais agressividade. A saída mais óbvia é encontrar um esporte competitivo, arte marcial ou regime de exercícios pelo qual podemos começar a nos reconectar com nossos instintos agressivos. Mas também podemos, por exemplo, trabalhar para nos tornarmos mais assertivos em nosso comportamento, declarar e proteger mais abertamente nossas fronteiras pessoais, ou mais inclinados a nos manter em nosso terreno quando testados por nossos colegas de trabalho, família ou pares.



O objetivo em integrar a agressividade não é em se tornar uma pessoa ruim, mas entrar em contato com as energias reprimidas e potenciais necessários para esculpir um caráter poderoso e íntegro. Queremos nos tornar capazes de agir com força, não ser forçosos; ser potencialmente perigosos, não criminosos violentos; capazes de nos defender e ao que acreditamos baseado em verdade, não cruéis e maus.


Se pudermos extrapolar o método de integração apenas delineado, e usá-lo para integrar outras características de sombra – talvez aquelas ligadas à nossa sexualidade, nossa criatividade, nossa ambição ou desejo de poder – começaremos a notar nossa personalidade se transformar em maneiras dramáticas e perceptíveis. Nos tornaremos mais fundamentados, mais seguros em nossas peles, mais independentes em nossos julgamentos morais, mais corajosos e autoconfiantes, coletivamente não teríamos proporcionalmente uma fração dos conflitos que temos hoje. Em suma, é em primeiro lugar realizar a introspecção das razões pelas quais individualmente projetamos nossas sombras. Ao longo desse processo de integrar nossa sombra, caminharemos em direção ao ideal de integralidade psicológica que produz a grandeza de caráter que está terrivelmente ausente no mundo.


Adaptado a partir de:


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